sexta-feira, 8 de abril de 2011

Feliz aniversário.

Não sei quando comecei a te escrever esta carta. Talvez, tenha sido no momento, em que descobri que eras apenas humano. Naquele dia, decidi retirar dos teus ombros o fardo de herói. Lembro-me do meu desencanto por não corresponderes àquela imagem que eu via estampada nos anúncios de TV, quando se aproximava o dia de te comercializarem, emprestando rótulos que eu não encontrava em ti. Na minha ótica, ainda infantil, ficava a pensar se existia aquele modelo de pai, maior até que Deus, veiculado insistentemente pela mídia. Olhava-te em tuas fragilidades e faltas renitentes, comparando-te com aquele pai de olhos azuis a rolar pelo tapete da sala com os filhos. Esta era a fotografia de pai que me era mais forte, em virtude dos apelos da propaganda. Em minha ingenuidade, ficava a me perguntar, porque meu pai não era assim. Reportando-me à educação que tiveste, soa-me agora mais fácil compreender a tua inabilidade para demonstrar afetividade. Vinhas de uma família numerosa e pobre. Meu avô era um homem rude e seco, no que se referia aos filhos. Imbuído do sustento da família, sobrava-lhe pouco tempo para demonstrações de carinho. Estranhamente, agia de outra forma com os netos. Vem-me à mente, quando ele nos olhava e me punha no colo, fazendo-me mimos à sua maneira. Naqueles momentos, tornava-se irreconhecível. Acho que buscava resgatar com os netos a ternura que não conhecera também, enquanto pai. Um exercício de paternidade que tentava recuperar, já que os tempos eram menos difíceis. Quando abro meu álbum de memórias, quase nada recordo da minha infância. É como se ela tivesse sido apagada ou nunca existido. As lembranças mais consistentes apontam para a minha adolescência. Talvez, por ter sido a época, em que me vi tua filha de verdade. A caricatura do pai adquiria outra consistência e significado. O modelo de pai que eu tanto cultuara em minha imaginação rompia paradigmas. Foi preciso que a morte quase nos rondasse, para que eu enfim te compreendesse e pudesse te olhar sem falsas expectativas ou cobranças. Fazia quase um ano que eu decidira não mais te falar. Cansada das discussões e da tua pouca decisão em mudar os rumos da tua vida. A minha determinação em te dizer, o que eu pensava, sempre te assustava. Devias pensar, como uma fedelha como eu, ousava te mostrar verdades que tanto negavas. O tempo realizou duplo milagre: te fez pai e modificou minha forma pouco indulgente de te ver. Recordo-me agora da minha aflição, quando me deparei com a possibilidade de te perder.

23 anos se passaram. Hoje, tanto já galgamos em nossa relação. Compreendo que sempre foste amparo para os meus olhos. Mesmo no silêncio dos lábios, acompanhavas-me.
Talvez, entenda-te tanto, porque me veja em ti. O silêncio do sentir herdei de ti. Emudecer diante da dor ou da extrema alegria são características nossas. Alguns chamam de indiferença e orgulho. Nós sabemos que não. É apenas o nosso jeito de não incomodarmos o mundo diante da pequenez do que somos. Amar-te sem aquela armadura de pai herói me é muito mais fácil! Sabemos que estamos a todo momento nos reconstruindo, porque nos reconhecemos inacabados. Rasgamos os modelos, porque na dinâmica da emoção e da humanidade, os estereótipos apenas atravancam o processo de conhecimento e doação. Não sei, se um dia te entregarei esta carta. Hoje, apenas consegui te dizer: Feliz aniversário meu pai.
É papai...continuo tua menina estranha.

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